quinta-feira, 27 de maio de 2010

O MEU LIVRO

Não sonho
Com estrelas

 
Capítulo 1
(Entrevista com a morte)
Parte III


Osmar, vestindo o mais perfeito terno preto, uma camisa branca e gravata vermelha, sorriu quando um homem a dez passos dele, com fones no ouvido e um pequeno microfone curvado na boca, anunciou:

— Entraremos no ar em trinta segundos.

Por sobre o tampo de vidro, as mãos se retorciam na expectativa dum colegial; os olhos vidrados na câmera ansiavam pela maior audiência do ano e conseqüentemente, dando-lhe um segundo aperto de mãos em Silvio Santos, trazendo para o escritório mais uma estatueta. Ora, fora para isso que passou três meses insistindo para que o adolescente lhe viesse desnudar a maligna.

Pensava constantemente nos melhores convidados para alvoroçar a arena com discordâncias. Pois bem, após tudo muito bem preparado, queria ver nos jornais do dia seguinte seu rosto – era um narcisista, um egocêntrico – lutava todos os dias para ser notícia.

Os segundos desapareceram, a contagem regressiva terminou, os holofotes caíram naquela fisionomia de mármore sorridente sendo observado não só pelos duzentos presentes – agora eram milhares de brasileiros fitando-o:

— Boa noite! – Os aplausos vieram num frenesi, fazendo-lhe alargar a felicidade; o ego dilatando com os ares de bem-amado. Prosseguiu ao diminuir da ovação: – Para entrevistar o obsequiado dessa noite, convidamos o psiquiatra e escritor, Mário Stanislaw...

A câmara mirrou o homem sentado ao lado direito do apresentador: mesmo assentado, percebia-se que ultrapassava os dois metros; os cabelos e a barba ruiva, contrastando com a pele branca, denunciavam uma descendência russa; no semblante sempre sério, o respeito imposto por um homem aborrecido – com um gesto de cabeça, quase imperceptível, cumprimentou a platéia. Trovejaram aplausos, e assim foi a cada exposição.

Na roda ainda encontrava-se, ao lado do psiquiatra, a diretora da Fundação de Estudos Para-normais, Cecília Garcia: branca ao extremo, pincelada na face à vermelhidão dum suíno, um corpo avantajado, busto abundante, cabelos negros preso num coque apertado e sorriso cândido, levantou as mãos rechonchudas num “olá” aos que a assistiam.

Do lado esquerdo de Osmar, o médium Flávio Drummond, com óculos de aros escuros acocorado na ponta do nariz fino, retirou os olhos acinzentados dos papéis que lia ao ser anunciado; não media mais que um metro e quarenta; corpo raquítico, e mesmo sendo de uma cor caramelo, parecia trazer na face e na calva, cores dum achaque. Todavia, quando disse “oi” para platéia, a voz lhe escapou como que vindo do céu, num formato de trovão, descombinado completamente com a compleição.

Completando a roda, posto ao lado do médium de propósito, estava Adolfo Magalhães, amigo íntimo do apresentador, dedicado à literatura, com mais de dez livros escritos, sendo que o último chamava-se: Adeus, Deus!, um ensaio sobre como o mundo seria melhor se o homem não tivesse criado a figura, a fantasia idiota, como ele próprio dizia, de Deus. Além de cético, já estivera ali por outras vezes, desafiando os homens de fé a lhe provar que Deus era real; moreno de olhos claros, cabelos curtos, quase raspados, óculos redondos sem aros, dependurava nos lábios sempre um deboche, e em suas frases a descrença.

Morte, o outro lado da vida, era o tema da noite; e esse tema trazia pela a arena um fenômeno editorial lançado há apenas um mês: Depoimentos do medo – livro que denunciou evidências sobrenaturais em seis crimes inexplicáveis, fazendo surgir das profundezas das crenças humanas, perguntas que ressoam e ressoará eternamente por sobre a humanidade: Os espíritos, Satanás e Deus existem? O que vem quando não resta mais nada, apenas um corpo putrefato? Seremos nós, atores diante duma platéia de homens mortos?

Esse era o tema da noite – aqueles horrores afixados na imprensa, o sangue derramado e as palavras do investigador numa coletiva: “O fato foi entendido como um suicídio coletivo; um findar de vida combinado”. Dito assim, sem explicação, de rompante, num expressar de desgraça de todo dia.

Mas a imprensa não se calou: O que levou esses jovens há um ato tão bárbaro? Ninguém se mata por folia, havia de se encontrar um pretexto. Além do mais, o mistério se avolumou devido a um sobrevivente que a polícia insistia em esconder.

Algo mudou durante as averiguações, quando um policial que esteve no local, não querendo mostrar o rosto, disse num programa de tevê:

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Para não descrever fisionomia, é só olhar a fotografia. O que eu gosto mesmo é livro, o deleite da ficção, o caminhar tranqüilo por histórias de outros, ou aquele navegar mais conturbado pelos volumes de Filosofia; aperto por muitas vezes as mãos de Platão, discordo de Sócrates, aplaudo Ruy Barbosa, sendo meus camaradas. Construo o alicerce de minha vida com alfarrábios.