segunda-feira, 17 de maio de 2010

O MEU LIVRO

Não sonho
com estrelas

Capítulo 1
(Entrevista com a morte)
Parte II


Trancado em seu escritório, detrás do estúdio, Drummond esperava os vendavais passar, aprontando outros convidados que lhe fariam a audiência explodir nos marcadores. Nunca, num passado curto, imaginou ser apresentador de televisão; quando jovem – filho dum promissor e abastado psicanalista – pensava pisar por sobre as pegadas do pai, trilhando o caminho que o levaria a um consultório, curando, supostamente, a loucura incurável. Contudo, trancafiado na biblioteca de sua casa, foi descobrindo os pensadores, analisando os adágios de Cícero, Sócrates, Confúcio; quando chegara o momento da verdade – a escolha da profissão – deixou o pai com a clientela, adentrando no campus, sentando-se na primeira carteira duma turma que se tornariam Filósofos.

Na mesma carteira, dois anos de muito amor pela Filosofia, quis aprofundar-se não só na história do pensamento, quis arriscar-se a cavalgar a própria História: de manhã, ocupa-se com Francis Bacon, Arthur Schopenhauer, Bertrand Russell e Émile-Auguste Chartier; a noite, logo após as 19 horas, tinha-se sobre a mesa, onde outrora se encontrava os circunspectos pais do pensamento, a história do mundo: a Idade da Pedra, o Renascimento e a contemporaneidade.

Quando se formou em Filosofia, tinha idéias de escrever livros questionadores sobre a sociedade, a moral, a ética e a política; entretanto, quando recebeu o certificado de História, a idéia era romancear a biografia do mundo.

E o fez: escreveu em um ano três novelas muito bem pesquisadas: o primeiro se passava no Brasil de Pedro II, em seguida teceu a história da colonização da América e por fim articulou a mais bela narração sobre a famosa invasão à Tróia. Essas obras puseram-lhe na estante grandes prêmios de literatura e traduções em vários países. Por fim, depois de mais dois anos de pesquisa, lançou uma trilogia que discorria de forma simples e arrebatadora os períodos homéricos, arcaicos e helenísticos; com isso tornou-se um dos escritores de romance histórico mais conhecido no mundo, e lhe caíram os olhos duma emissora que gostaria de tê-lo para apresentar um programa de entrevista.

De início a idéia era entrevistar escritores, mais isso Osmar não quis. Onde já se viu palrar com seus concorrentes; ele era o grande escritor que queria falar com gente do povo, assuntos da populaça – surgia Divã.

Tivesse apenas fama e inteligência, já teria contrato assinado para tevê; no entanto, apresentava mais atributos: duma simpatia que fazia o coração duma megera encher-se de luz – bastava aquele sorriso brilhante cortar-lhe a face – a pele branca exposta aos refletores dava-lhe brilho, como se ali estivessem vendo uma divindade; o cabelo grisalho, sexy nesses tempos onde o assunto era maturidade, ia-se muito bem com àqueles lagos de águas cristalinas – como lhe dizia as fãs, numa referência vulgar de seus olhos. Não havia quem acreditasse que aquele homem, de corpo tão esbelto e ao topo de quase dois metros, já ia pondo os pés na casa de sessenta e três verões; e que as fãs não se animassem muito a seu respeito, uma vez que trazia ao braço, no seu passeio pelas ruas, sua senhora, mulher que lhe dera dois lindos rapazes e uma bela moça.

Nessa hora, por debaixo dos refletores, ocupando sua cadeira com estofo azul, e com as mãos cruzadas posta por cima da mesa com tampo de vidro, ele esperava...

O cenário duma cor clara compunha-se da mesa do apresentador, do lado esquerdo uma mesa de mesma cor, com tampo de madeira, tinha duas cadeiras já ocupadas por dois convidados, e a da direita vinha da mesma forma atalhada; a parede do cenário à direita tinha a grande imagem da Represa Municipal, expondo seu encanto do sol da tarde; a esquerda resfolegava a imagem do imponente Mercado Municipal – um prédio antigo, dos tempos onde à cidade ainda não tinha seus mais de quatrocentos mil habitantes, ocasião em que o mercado era o grande centro de compra; e, defronte a platéia de 200 pessoas, por detrás do apresentador, presa na parede, como a aranha que prende a mosca, a Meca de São José do Rio Preto: o Calçadão, cerne de aquisição que tinha por seu calçamento as passadas da populaça – público alvo do show.

A idéia do cenário era mostrar ao povo que a atração lhes pertencia. Porém, ao centro, na cadeira vazia, de estofo azul e de encosto alto, os olhares esperavam se deitar, uma vez que ali, em instantes, sentar-se-ia à morte – como anunciava os comerciais.

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Para não descrever fisionomia, é só olhar a fotografia. O que eu gosto mesmo é livro, o deleite da ficção, o caminhar tranqüilo por histórias de outros, ou aquele navegar mais conturbado pelos volumes de Filosofia; aperto por muitas vezes as mãos de Platão, discordo de Sócrates, aplaudo Ruy Barbosa, sendo meus camaradas. Construo o alicerce de minha vida com alfarrábios.