sábado, 22 de maio de 2010

CARTA ABERTA

Para uma amiga que pretende morar sozinha

Minha querida,

Realmente não há necessidade de pedir-me desculpas ao escrever. Nunca é incômodo ajudar uma amiga. Se você precisa de mim para ser um voto de Minerva em suas indecisões ou aliviar as incertezas de seu coração, meus braços estão sempre abertos para confortar-lhe e quebrar o gelo acumulado em volta de seu coração como um iceberg de problemas.

Mas a primeira coisa a dizer-lhe como conforto é: Nada é complicado. Em nossas vidas devemos seguir uma receita muito simples para temperar os dias: uma colher de razão e um copo de emoção.

Também deixo bem claro que quando você me perguntou onde mora a felicidade, fiquei um pouco chateado contigo. Ora essa! A muito deveria saber que a alegria habita dentro de você. Nessa resposta a sua carta, hei de lhe mostrar como extrair a prosperidade de seu interior e transformá-la no elixir da vida.

Então quer dizer que a situação em sua casa está caótica? Tá danado! Não dê muita importância para o que sua mãe grita. Você não é má filha. Todas as acusações dela vêm de dentro dum coração amargurado. Como o relacionamento dela com seu pai foi um fracasso, essa senhora – minha vontade é tratá-la por epítetos grosseiros – deveria agradecer por ter uma filha trabalhadeira, que terminou os estudos, ao qual a única diversão é dormir uma vez por semana na casa do namorado.

Quanto a essas comparações feitas de ti com a vizinha, a mocinha que vai a igreja, a filha dá fulana de tal: releve; a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa. Seja você mesma, independente do que digam, mostre a que veio, sem ter vergonha de seus atos.

Pelo que sei, já faz sua parte. Foi sua mãe que não quis o seu namorado freqüentado sua casa; dizia que moça descente não recebe homens em casa. Agora me diga, onde ela foi buscar isso? Não era ela mesma, como tu bem me disseste, a pular os muros da escola para encontrar-se com rapazolas?! Sua mãe tem medo duma repetição do passado. Fazer sua parte é o fato importante. Se avisar que vaia a casa dele e se cuidar, está no caminho certo.

Mas essa implicância de sua genitora com seu namoro são dos males o menor. Essa mulher ofende-se com a felicidade alheia, quer ver-lhe fracassada no amor, como se isso a transformasse numa companheira de infortúnio. E nessas fúrias de palavras e proibições, disse-lhe para pagar o aluguel atrasado por ter permanecido nove meses em seu ventre? Isso é um absurdo. O mínimo que uma mamã tem de desejar a filha é felicidade.

Vi as marcas em sua carta, o choro derramado sobre o papel, o borrão apontando seu sofrimento; eu lhe peço, cesse o pranto. Se não tens uma boa mãe, nem pai para lhe dar arrimo, e se isenta seu namorado dos problemas por achar cedo dividir-lhe tamanhas tormentas, cá estou para auxiliar-lhe no possível, respeitando os limites de nossa amizade.

Você não é uma ninfeta safada, freqüentadora de balada que a cada dia agarra um homem diferente, não é usuária de droga ou qualquer outra aberração desse mundo moderno e porco. Sua mãe um dia há de se arrepender dos desatinos contra ti. Muitas mães, e a sua é uma delas, não valorizam a filha que tem e mais tarde choram por terem desejado mais do que estavam no seu limite de exigir.

Quanto as suas possibilidades de dar novos rumos a sua vida, tenho alguns conselhos a dar.

Suas pretensões de morar com seu conversado, seria como sair de um covil para instalar-se num vespeiro. O rapaz sendo filho único, também trás toda a legenda duma mãe protetora; ela aceita o chamego do filho, mas se lhe dessem a escolha, o preferiria livre; e tendo você debaixo do mesmo teto, como qualquer mãe protetora, desqualificar-lhe-ia em tudo, colocando na cabeça de seu xodó, todos os malefícios duma possível união.

Também cogitaste de morar na casa de uma amiga. Para mim outra idéia equivocada, uma vez que pouco sabe da família dela, e eles nada sabem de seus costumes. Em casa estranha, nossas liberdades são ceifadas. Cada qual tem seu modo de vida, e a conhecendo como conheço – a ciumeira que tens de suas coisas, ah, é sensato dizer: não daria certo.

Já daquele conceito de arranjar uma casinha para você e seu afeto morar, juntando seus salários e sonhando com a felicidade dum casal de novela. Esqueça! As novelas acabam, e nem sempre com final feliz. Com dezoito anos é muito cedo para pensar em juntarem os trapos. E digo mais: Além d’ele ser da mesma idade que você, trabalha na padaria do pai. E já aproveitando meu realismo de amigo sincero, seis meses de namoração é tempo insuficiente para se dizer – Eu te amo in aeternum. Quando se passa a morar na mesma casa, os carinhos já não serão tão eternos, ele não é tão cheiroso quando chega do trabalho, e as brigas não encenadas até o momento iriam para o ar ao vivo. Deixe de ser uma menina ingênua e jogue uma colher bem cheia de razão nesse relacionamento.

Portanto, de todas as soluções possíveis de suas desventuras, a mais judiciosa é a de morar sozinha. Esqueça essa bobagem na questão de morar sozinha significar estar sozinha. Ter sua própria casa acompanha responsabilidade e também liberdade. Disse-me que por pior que é sua mãe, ainda assim é uma companhia. Lembre-se de Provérbios capítulo 21 versículo 9: “É melhor morar num canto do sótão do que numa casa grande com uma mulher brigona.”

E para finalizar, podes muito bem receber seu namorado uma vez por semana em sua casa, receber os amigos. Já sobre as despesas, uma pessoa sozinha não gasta tanto quanto se pensa. A propósito do medo de acordar no meio da noite e chorar de tristeza ao ver-se só, liga cá para esse amigo que dorme tão pouco e está sempre disposto a dar-lhe uma palavra amiga.

Beijos,


Com todo amor.

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Para não descrever fisionomia, é só olhar a fotografia. O que eu gosto mesmo é livro, o deleite da ficção, o caminhar tranqüilo por histórias de outros, ou aquele navegar mais conturbado pelos volumes de Filosofia; aperto por muitas vezes as mãos de Platão, discordo de Sócrates, aplaudo Ruy Barbosa, sendo meus camaradas. Construo o alicerce de minha vida com alfarrábios.